Pode outra profissão substituir o Engenheiro Florestal no Manejo Florestal sem prejuízo ao Meio Ambiente?

Mais de 250 anos de ciência florestal se passaram desde que o saxão Hans Carl von Carlowitz criou o tema “sustentabilidade” para a produção perpétua das florestas. No Brasil, há 64 anos foi criado o curso de Engenharia Florestal. Esse curso é uma invenção nacional? Ele pode ser substituído por outra formação?

Respondendo a primeira pergunta, não, o curso já existe há vários anos nos principais países do mundo, como principalmente a Alemanha, Áustria, Estados Unidos, França, Suécia, dentre outros. Quase uma década antes do Brasil, a Colômbia, o Chile e a Argentina, já tinham, na América Latina, criado também seus cursos de engenharia florestal que surgiram por meio interferência da SubComissão sobre Florestas Inexploradas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), isso ocorreu devido à importância ambiental e econômica das florestas nativas no pós-guerra, buscando a produção de produtos florestais como madeira e energia.

Porque criaram um curso com especialização tão focada (já agora respondendo a segunda questão), tão específica? Outros cursos não cobririam estas necessidades? Recursos abundantes e ecossistemas florestais diferenciados, recomposição de florestas, técnicas de regeneração e plantio, manutenção de habitas, alternativas de uso do solo, previsões de produção em floresta, produtos não madeireiros oriundos da floresta, manutenção de florestas, necessidades econômicas, dentre outras variáveis heterogenias, clamavam, como clamaram antes na Europa, por alternativas técnicas e ciências que pudessem responder de forma organizada há estas questões que variavam de ambiental a econômica.

A engenharia florestal contribuiu para os avanços no Código Florestal de 1965, que aperfeiçoou o Código de 1934, incluindo a proibição da exploração empírica das florestas primitivas da região amazônica, que só poderiam ser exploradas mediante planos técnicos de condução e manejo. Em que pese a legislação, de forma bem intencionada, tentar simplificar as normas para o manejo de florestas naturais (esse é o tema que abordaremos aqui), e isso é compreensível, continuam subjacentes as necessidades de conhecimentos técnico-científicos para elaboração e execução dos planos de manejo.

Por exemplo: O engenheiro florestal precisa saber o ambiente ideal para a regeneração natural de determinada espécies, e também se algum tratamento silvicultural adicional será necessário. O engenheiro florestal precisa saber planejar e calcular a rede ideal de estradas, pátios e trilhas de arraste visando menor dano ambiental e com menor custo. Precisa conhecimentos de exploração de impacto reduzido. Precisa entender e combinar rede de estradas e arraste com menor dano as áreas de preservação permanente (APP).

Precisa conhecimento sólidos de estratificação das diferentes tipologias e sub-tipologias, e sua combinação de espécies florestais para um melhor lançamento amostral estatístico, o qual não
comprometa a regeneração da floresta quando explorada.

Além disso, precisa saber identificar a qualidade, sanidade e potencial dos fustes a serem manejados e quais devem ficar como árvores matrizes ideais. O engenheiro florestal precisa estudar a capacidade suporte da floresta a ser manejada e qual a intensidade de exploração que deve ser utilizada de maneira a que não ponha em risco a sustentabilidade da mesma. A floresta, e dentro dela, todas a suas espécies, possuem uma “faixa de variação ótima” na sua curva de desenvolvimento e formação. Retiradas que perturbem esta faixa de variação, implicarão no “ponto de não retorno” mencionado por especialistas e
seguidamente mencionado na mídia.

O engenheiro florestal precisa saber monitorar a floresta em exploração. Para isso não são suficientes a correta instalação de parcelas permanentes, mas saber calcular sua intensidade ideal, e mais que isso, interpretar seus resultados a luz das informações das fases sucessionais da floresta.

Quais classes diametricas merecem abertura para luminosidade? E para qual espécie? E em que intensidade? Como está a estrutura da floresta? Os ciclos de corte estarão adequados? Quando ela estará produtiva de novo? Já pode haver uma reentrada no talhão? Como pleitear isto junto aos órgãos ambientais? Quais medidas mitigadoras devem ser utilizadas no caso de impactos imprevistos?

Com o advento da preocupação ambiental, várias profissões passaram a opinar sobre o meio ambiente de forma caótica. Sem uma direção clara. Isso foi tomando proporções maiores sem a ação corretiva das instituições responsáveis. A questão, é que já havia uma formação que permitia trabalhar com as florestas naturais de formas produtiva, quando necessário. Afinal, o manejo florestal, é bom lembrar, é o único uso do solo que mantém a cobertura florestal. Grandes cientistas do passado, como Carlowitz, Hartig, Cotta, Liocourt, Brandis, Odum, Osmaston, Whitmore, Dawkins, mais recentemente, Natalino Silva, dentre vários, já tinham pensado o uso das florestas naturais de forma sustentável e estes conhecimentos encontram-se TODOS dentro do Curso de Engenharia Florestal.

O manejo de florestas naturais está alinhado com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, especialmente nos objetivos 8, 12, 13, 15 e 17. Esses objetivos buscam aumentar a produtividade e preservar a cobertura florestal, ao mesmo tempo
que promovem a conservação dos ecossistemas, a biodiversidade, a mitigação das mudanças climáticas e geram emprego e renda nos estados amazônicos, oferecendo uma alternativa viável ao desmatamento ilegal.

Em função do exposto, o engenheiro florestal precisa saber identificar as áreas de ocorrência principal das espécies e diferenciar das ocasionais e identificar o risco local de determinada espécie, se esse for o caso. Ele também precisa entender de modelos matemáticos de crescimento e volume de madeira, ajustar equações hipsométricas. Combinar variáveis dendrométricas com ambientais.

Por outro lado sabemos, que todas estas preocupações não utilizam talvez até o momento, 20 ou 30% do aporte e estoque cientifico que a Engenharia Florestal possui. Mas ela possui!!! E só ela está qualificada a enfrentar os novos desafios que surgirão quando das necessidades já em discussão sobre o aperfeiçoamento do manejo se tornarem mais fortes. Manejo de precisão, manejo por espécie são novos desafios! A ciência não para! Embrapa, INPA, faculdades, continuam apresentando sugestões de modernização do manejo. Mais e mais especialistas com sólida formação e Ciência Florestal serão necessários. Novos protocolos de manejo estão sendo desenvolvidos.

Para compor a Ciência Florestal são necessárias várias disciplinas, entre as principais, resumiríamos: Ecologia Florestal, Botânica florestal, Dendrologia, Entomologia Florestal, Dendrometria, Colheita florestal, Inventário Florestal, Economia Florestal, Estradas Florestais, Silvicultura e tratamentos silviculturais, Tecnologia da madeira, Melhoramento Florestal, Estatística florestal, e muitas outras as quais fecham numa disciplina que une todos estes pontos: o Manejo de Florestas Naturais.

Transferir a responsabilidade técnica e científica para profissionais sem a devida qualificação seria
irresponsável. O conhecimento das normas de uma operação médica não torna o indivíduo capacitado a operar em nome do cirurgião que estudou para isso e conhece os meandros do corpo humano. Repetimos, subjacente a norma, existe a necessidade do conhecimento da ciência.

Quem se responsabiliza por autorizar a outrem o direito a manejar os recursos florestais se responsabilizará por previsíveis danos ambientais e econômicos que ocorrerem no futuro? Fica a pergunta.

Cícero Ramos,
engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos
Engenheiros Florestais

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